Rui Veloso Calmaria
Foi medonha a tempestade
Que a agulha quase enlouquecia
E era tal o negrume do céu
Que não havia noite nem dia
Já eu pensava na morte
Fez-se súbita acalmia
Que nos deixou à sorte
Sem vento na maresia
Relembrei velhos pilotos
Relatos destas andanças
Piores que certos maremotos
Às vezes só certas bonanças
Reparamos os danos nas velas
Que o vento havia de chegar
Mas foram passando os dias
E nós sem nada mais a inventar
E era medonha a calmaria
Segui vôo de albatroz
Fisguei peixe-voador
Cantei para ouvir a minha voz
Recapitulei cada amor
Li a noite constelada
Na folha do firmamento
Vi a várzea azul semeada
De águas sem movimento
A mando do capitão
Fizemos procissão
Missa e novena cantada
Pescamos um tubarão
E depois de o cegar no convés
Com ele fizemos tourada
Mas do vento de feição
É que ninguém sabia de nada
E era medonha a calmaria
Quase a dez dias de pasmo
No alto mar sem aragem
Com o sol tisnando a prumo
Pus fim à minha viagem
Tão farto de calmaria
Pus o pé na amurada
E ali me fui na lezíria
Que o mar se fez margem lavrada
Calentura, calentura, calentura